terça-feira, 15 de março de 2011

Eu fui às touradas em Madri

Ela nunca acreditou em inferno astral, quarta-feira de cinzas, essas coisas inventadas pra justificar mau humor até que viveu uma quarta-feira de cinzas de dois meses. Justo. O ano longe tinha sido um carnaval de 365 dias. E ela sabia que outro daqueles seria difícil de acontecer. Quando chegou, na neve e no frio, ela não imaginava o que lhe esperava. Não teve tempo de sentir medo. Em outra língua dá pra sentir medo? Ela nunca chegou a descobrir. Sabendo que sua folia tinha prazo de validade e que sua máscara de colombina não seria tirada pelo menos pelos próximos 12 meses, ela aproveitou cada segundo, cada dança, cada pierrô, cada gole. Que não a levassem a mal, por favor. Era carnaval.

E assim foi até a última noite, quando Madri se esquentou depois da chuva pra lhe dizer adeus. E ela não se deu conta que além da casa, dos amigos, dos amores, deixava ali ela mesma. Uma foliona corajosa que se pintou sem medo (em outra língua dá pra sentir medo?), se fantasiou do que queria ser e se perdeu na sua própria fantasia. Que não cansou de brincar carnaval por 365 dias. Mas não esperava a ressaca da quarta-feira interminável.

De vez em quando ela tenta encontrar a fantasia perdida no armário e se veste de espanhola, mas é tudo da boca pra fora. Ela foi às touradas em Madri e não voltou mais aqui.