sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O destino sempre me quis só

"Solitária. É isso que eu vejo. Solidão". Foi a mãe dela quem deu o veredito final, mas poderia ter sido ela mesma. O reflexo era óbvio, mas a gente demora a enxergar o óbvio e ainda mais ela, que ficava sempre naquela eterna e insana busca das qualidades das pessoas. Mas ela agora olhava de novo o reflexo, e era tão óbvia aquela solidão. Ela pensava no começo que era por medo, trauma, fuga. Mas não. Era solidão de quem afasta as pessoas. Era solidão pensada, desejada. Até, será que podia julgar?, merecida. E tem gente que merece solidão?, ela pensou enquanto voltava no tempo buscando em cada retalho um motivo pra tanta raiva. Não achou.

Solidária, ela tentou afastar a solidão. Tentou abrir portas e janelas, mostrar a luz do sol, tentou ensinar que tem sempre um arco íris depois da tempestade. Tentou mostrar uma vida menos amarga, não que ela não fosse também um pouquinho amarga - todo mundo que já passou por essa vida herda um pouco de amargura - mas a capa de chuva já era impermeável. Não entrava mais sol. Não entrava carinho. Não entrava amor. Era só solidão e chuva e desespero e raiva. Tudo por dentro da capa de chuva colorida, que até fazia as pessoas acharem graça no começo. Mas dentro, lá no fundo, era só chuva e solidão.

Porque nem todo mundo está pronto pra ser feliz.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ela é minha menina

Primeiro ela olhou e não viu nada. Mentira, gostou do papo. Ou da voz, não lembrava bem. Depois ela olhou de novo, e viu um sorriso aberto. Gostou disso. E da gargalhada que vinha sempre depois.  Na terceira vez, ela olhou mais atenta, viu gostos em comum, mais do que ela tinha pensado. E foi gostando disso também. Aí, quando se deu conta, já tinha pele, cheiro, toque, essas coisas inexplicáveis. E ela começou a ver tanta coisa, e cada dia descobria uma nova, assim, sem pressa, como  as descobertas boas devem ser. Olhou de novo, e de repente o olhar era igual, aquele olhar íntimo de duas pessoas que se descobrem e se perguntam, como a gente demorou tanto tempo pra se achar?

E quando ela se deu conta, já era. Dele. E ele dela.

sábado, 22 de outubro de 2011

Pro dia nascer feliz

Ela tinha esquecido. Do cheiro reconhecido sempre no mesmo pescoço. Daquele olhar cúmplice fora de hora. De como era bom ter seu lado da cama. Tinha esquecido da delícia de ser bem cuidada - ela e aquela velha mania de querer só cuidar. Ela tinha esquecido. De como podia sorrir por dentro só de ouvir uma voz. De como era bom escutar uma música sendo cantada ao pé do ouvido. Ela tinha esquecido de como é gostoso sentir saudade antes mesmo de se despedir. Tinha esquecido, aliás, de como é difícil sair de um abraço de despedida. Tinha esquecido de como é a boa aquela cosquinha que não tem nome, aquele frio na barriga quando o telefone toca. Ela tinha esquecido de como é sonhar com alguém e acordar com ele na cama. Ela tinha esquecido da delícia de se beijar sempre a mesma boca, cada dia de um jeito diferente. Ela tinha esquecido de como é bom ouvir aquilo que se está pensando em dizer. Ela tinha esquecido tudo isso.

Aí ele apareceu. E ela lembrou.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Ella es bonita

Tá bom, eu sei que ela te faz bem. Sei que você gosta do sorriso dela mais do que gosta do meu, sei que ela é mais maleável, menos histérica. Sei que ela é inteligente, eu sei. O vestido cai melhor nela, ela nunca deve ter tido crise de pânico, e aposto que cozinha bem. Tá bom, eu sei que ela deixa você com essa cara de babão, com essa sensação de paz de espírito que eu nunca te dei. Sei que você admira a liberdade dela, sei que ela é independente e morava sozinha há anos, não tinha problemas no banco, nem dívidas no cartão. Tá bom, eu sei ela não te liga de madrugada aos prantos, sem motivo algum, sei que ela é contida, eu sei. Sei que ela exala segurança de longe, que ela é educada com seus amigos, que sua mãe adora ela. Sei que ela não chora.

Mas eu achava que a gente daria certo. Que era uma questão de tempo. Que a gente ia se entender, que você ia desistir do seu casamento e ficar comigo. Eu achava, como a maioria das outras acha, daquele jeito bobo de pensar que o amor cura as pessoas, sabe? Eu achava que como você não tinha filhos, que como você era tão ciumento, que como a gente se dava tão bem na cama e fora dela... Eu achava. Provavelmente você também achava que a gente daria certo, que eu iria mudar, que eu não iria mentir mais pra você, que eu iria deixar de fumar, de beber tanto e fazer escândalo na rua. Você achava que eu tinha jeito, mas daquele seu jeito de achar ingênuo de que toda mulher um dia vai virar mãe e dona-de-casa.

E eu sei que ela vai ser uma ótima mãe e dona-de-casa. Sei que ela vai  largar o emprego perfeito pra mudar de cidade quando você for promovido. Sei que ela vai saber se comportar na reunião da escola. Eu sei. Sei que ela  não fuma escondido quando fica nervosa que o telefone não toca. Sei que ela se cuida, faz cabelo, unha, pilates. Eu sei que ela finge que não sabe da gente. Sei que ela aceita te dividir porque te ama mais que tudo, eu sei. Sei que ela nunca te largaria, nem por mim, nem por ela. Sei que ela  aceita bem suas mentiras, sei que ela acredita em você, eu sei.

No fundo eu sei. Ela é mais fraca que eu. Ela te merece.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Só entende quem namora

E se eu quiser ficar mais um pouco, se eu quiser te ligar fora de hora, se eu quiser te chamar pro cinema domingo à noite? E se eu quiser te apresentar pros meus amigos, te convidar pra almoçar na casa do meu pai, se eu quiser fazer ceninha de ciúme, se eu quiser comprar uma camiseta pra você? O que eu faço se eu quiser te chamar por um apelido inventado, se eu quiser ver filme no sofá com você, pipoca e pijama, se eu quiser te ligar pra saber se você chegou bem em casa? E se eu quiser te chamar pra dormir lá em casa e ficar o dia seguinte todo?

E se eu quiser reclamar do seu quarto bagunçado, se eu quiser achar sua amiga oferecida, se eu quiser perguntar de quem era aquela escova de cabelo no chuveiro? E se eu quiser sair sem te avisar e ficar com remorso depois, se eu quiser que você pegue um trânsito pra me buscar no aeroporto, e se eu quiser que você deixe de ir jogar bola pra ir no shopping? E se eu quiser brigar por causa de TPM, te ligar porque fui assaltada no ônibus, se eu quiser te chamar de mentiroso só porque você não quis me ver?

E se eu quiser ser eu mesma, todo dia, o tempo todo, pode?

Pode.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Roubo as estrelas lá do céu

Oi, hoje eu lembrei de você. Não que eu não pense todos os dias, mas hoje foi diferente: imaginei como seria se você ainda tivesse aqui. Ouvi aquela música que você cantava só pra me ver dançar - e eu adorava me mostrar pra você, aí deu uma vontade enorme de dançar mais uma vez pra você me olhar. Certamente você me achava mais desajeitada do que qualquer coisa, mas eu escuto até hoje essa música lembrando de você rindo da minha falta de ritmo. Lembro que você fazia de tudo pra me deixar menos tímida, e olha, acho que segui isso ao pé da letra. Ninguém mais diria que eu sou tímida, na verdade eu até falo pelos cotovelos, você nem iria me reconhecer mais. Claro que não sou tão popular quanto você, nem poderia, acabei ficando séria mais cedo. Não tenho aquele teu sorriso aberto e nem sou tão simpática quanto você queria, mas olha, a timidez foi embora. Também fiquei meio adulta antes da hora, uma coisa besta de não aceitar ajuda de ninguém, de não chorar na frente dos outros. Acho que tem um pouco teu aí, você foi embora cedo e eu passei a fingir que sou forte. Besteira minha, eu sei. Sei que você não aprovaria também meu sedentarismo, provavelmente eu continuaria bem mais saudável se você não tivesse indo embora, talvez até seria uma atleta profissional, como você sempre quis, já pensou? Mas não, virei sedentária, gosto mais da noite do que do dia, adoro um vinho em casa e fora de casa, virei fumante. Mas não se preocupe, tá tudo mais ou menos certo com a minha saúde, tirando umas recaídas esporádicas da minha garganta, você sabe que ela sempre foi meio problemática. Minha vida amorosa também vai bem, daquele jeito que era mais ou menos, não mudou muito. Continuo me apaixonando demais e pelas pessoas erradas, mas cada vez com menos frequência, deve ser coisa da idade. E continuo superando todos eles, todas as paixões exageradas e pelas pessoas erradas acabam no fim das contas. Talvez você até se divertisse com algumas histórias, sabe, você nunca teve muito ciúme, sempre defendeu esse amor livre e sincero que as pessoas tanto criticam e julgam; você não, nunca foi de julgar ninguém, e eu aprendi também muito isso com você. Aprendi a ver as pessoas com olhos bonitos, sabe, sem preconceitos. Acho que você ia gostar de me ver hoje, de ver como eu cresci sem você - ou apesar disso. Sim, você ia adorar saber que eu sei cozinhar, me viro muito bem com pouca coisa na geladeira, tá? Acho que você ia se orgulhar no fim das contas. Aprendi um monte de coisa, passei pra mesma faculdade que você, sei falar espanhol, me virei um ano sozinha em outro país. Como você queria, sem muita gente cuidando de mim, sabe?

Mãe, hoje eu pensei em como seria se você ainda tivesse aqui, e não chorei, juro. Até ri em alguns momentos. Talvez por causa daquela mania besta que eu te falei antes, de não me permitir chorar. Ou pra que você não achasse que tá tudo errado sem você.  Você deveria estar aqui, eu sei, mas tá tudo bem mesmo assim. Não se preocupe.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

João e Maria

Votem no João e Maria, no concurso 'Eu Amo Escrever': http://tinyurl.com/3fwh6dn

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Te adorando pelo avesso

Sei lá porque, mas me deu raiva de você, raiva de tanto afeto, de tanta expectativa, de tanta espera inútil. Deu raiva de ter anotado seu telefone, de ter te ligado na semana seguinte, de ter te comprado flores no nosso aniversário de um mês, de ter chorado na primeira vez que você me disse eu te amo. Sei lá, me deu raiva de você ter sido tão importante na minha vida, de eu ter deixado você entrar assim, como se não doesse esse negócio de se apaixonar, como se fosse só coisa boa, só café da manhã na cama e massagem no ombro. Sei lá porque, mas me deu raiva de ter te traído um ano depois, de ter me envolvido com tanta gente sem importância, de ter deixado você me perdoar por tantas vezes. Me deu raiva desse teu sorriso indulgente, dessa tua mania de me amar mesmo sem eu merecer, dessa tua esperança ingênua de fazer a gente dar certo, mesmo sabendo que não. Eu sei lá porque, mas acho que tenho raiva mesmo de você, desse teu querer desesperado que me entende sempre que eu chego em casa e invento uma desculpa qualquer pelo porre, dessa tua compreensão, desse teu olhar infeliz ao meu lado. Sei lá porque, mas me deu raiva da nossa casa que cheira a cigarro e a cerveja, mas não aquele cheiro de festa, só de ressaca. Sei lá, me deu raiva da nossas tentativas frustadas de tentar mais uma vez, e outra e outra, dessa insistência insana e louca, dessa dependência maluca, de um amor que não tem mais cheiro, nem gosto, nem nada.

Sei lá porque, mas me deu uma raiva enorme de você. Mentira, eu sei porque. É que eu te olho no olho e só vejo a mim mesmo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer

Aqui já são quase 8h da manhã e eu queria te dizer que não dormi ainda pensando no seu sorriso. Que já escrevi e apaguei seu número tantas vezes no meu teclado que decorei ele de trás pra frente e inventei novas combinações. Que nem os diálogos que já inventei de todas as maneiras possíveis e que começam sempre com um 'morro de saudade' e terminam sempre com seu sim. Quase 8h e o tempo nublou, apesar daquele vento úmido da praia e me lembrei daquela vez que terminamos a noite vendo o sol nascer na praia, você rindo do jeito que eu andava descalça e desequilibrada na areia, duvidando que eu tivesse coragem de entrar no mar daquele jeito. Essas nuvens que começaram a se formar agora me lembraram do nosso 1º beijo, aquela fumaceira na boate já meio vazia, todo mundo já cansado e a gente dançando sozinhos, como se fosse a primeira música da noite, aquela sensação boa de  ninguém mais existe agora, que me fez esquecer que eu acordaria em poucas horas pra ir trabalhar.

Agora já são 8h e eu ainda não tive coragem de escrever esse maldito torpedo porque não escolhi as palavras certas, quem sempre escolheu as palavras foi você, eu sou mais de sons, imagens e cheiros, lembra quando eu recebi aquele email teu de quase 50 linhas e respondi só com duas? Você achou um absurdo tã pouco romantismo, mas aí eu peguei a máquina e mostrei mais de 100 fotos suas e fiz você rir. Já passa das 8h e eu continuo pensando só no seu sorriso, esqueci de dormir e vou esquecer de almoçar, provavelmente por causa dele. É isso que eu queria te dizer, que seu sorriso me faz perder a fome, o sono, o sossego, a paz de espírito, que não consigo mais pensar em outra coisa desde que foi embora e me deixou aqui.

Mas se já são mais de 8h, devem ser umas 5h aí, tá tarde demais pra mandar esse torpedo. Melhor deixar pra outro dia. Não vou perturbar teu sono não.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A gente era obrigado a ser feliz

O João nasceu esperto, sabe olhar que só gente esperta tem, aquele sorriso dos espertos estampado no rosto? João nasceu assim. Ele é moreno igual a você, mas com meu cabelo cacheado, uns cachos lindos naquela carinha de esperto. Falou cedo, correu cedo, cedo virou o espertinho da turma, desejado pelas meninas, não por ser lindo, embora seja, mas por ser feliz. João nasceu esperto e vivia feliz por causa disso.

Já a Maria nasceu séria. Não porque quisesse, mas porque era. Era séria mesmo sorrindo, com aquele meus olhos verdes fracos por trás do sorriso. Ela puxou os meus olhos, mas tem teu corpo, anda igualzinho a você, daquele teu jeito de andar que eu não sei explicar, sabe? Mas a Maria não tem teu brilho, é meio apagada, e eu percebo que ela te olha admirada quando você tá ali no meio da roda e todo mundo te ouve. Ela queria ser como você, mas ela puxou a mim e nasceu séria. Não é que seja triste, é tão feliz quanto o João e até tão esperta quanto ele, mas esconde isso tudo nos meus olhos verdes fracos.

E o que vai ser deles agora que você quer ir embora? E todos os nossos planos de morar perto da praia, numa casa sem paredes, todo mundo misturado com o nosso cachorrinho? Como vão ficar nossos filhos, como vão ficar João e Maria sem você?

Não vão ser, nem vão existir. Esquece isso de nossos filhos. Eu não te amo mais.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ainda espero resposta

Eu não deveria te escrever esse email, eu nem estou tão bêbado, mas queria te dizer que não consegui dormir direito essa noite, que todos esses bares novos me fazem lembrar do nosso bar, que todas as meninas daqui usam franja e eu me lembro de você passando a mão no cabelo a cada 2 minutos pra ajeitar a sua, mas que elas não têm nem de perto seu senso de humor, só o cabelo liso escorrido na cara. Eu não sei qual é o objetivo desse email, eu só bebi três taças de um vinho barato do bar, mas precisava te dizer que pode ser que você seja o motivo da minha insônia, e eu não posso confessar isso a mais ninguém que não seja você. Eu sei que essas linhas não fazem qualquer sentido agora, eu sei que você escolheu o outro - bem escolhido por sinal - mas eu precisava te dizer que voltei do bar e reli toda a nossa história, busquei teu nome na minha caixa de entrada e tava tudo lá, tudo que eu custei tanto a entender. Eu sei que você deve ter apagado todo esse lixo do seu email, que é pessoa ocupada e não tem tanto espaço na caixa, e que ele também é ciumento e não ia gostar de achar nada disso nas suas coisas, mas eu precisava te escrever só pra contar que eu queria ter visto tudo isso a tempo, que eu passei a noite mal dormida fantasiando nosso romance que nunca aconteceu.

Eu sei que não deveria te contar nada disso, mas é que eu sou mesmo egoísta, tenho mesmo medo de viver certas coisas e que, agora que elas não são mais plausíveis, elas não me assustam tanto. Me deu vontade de compartilhar isso com você, de dizer que você estava certa, que ela era mesmo menos interessante, que eu sou mesmo um mulherengo inveterado, que morro de medo do seu mundo de gente grande, que não tenho ambição, embora tenha tido coragem de me demitir na semana passada e de viajar sozinho por minha conta. Eu sei que agora é tarde pra dizer que me fizeram uma ótima proposta de trabalho e eu já penso finalmente em me mudar, que me livrei daquela ex, que não passo mais as tardes buscando outras na minha agenda do celular, de que eu tenho certeza de um monte de coisa.  Eu nem sei realmente se eu deveria te escrever todas essas coisas agora, nem se eu vou ter coragem de apertar o botão de enviar, ou se essas palavras vão ficar pra sempre nos meus rascunhos, igual a nós dois, que nos tornamos um amor só de rascunhos. Eu nem estou tão bêbado assim, foram só três taças de um vinho barato naquele bar que me lembrou o nosso e onde as meninas todas eram sérias mas tinham franjas caindo na cara.

Eu nem sei porque eu escrevi isso afinal, foi só uma insônia besta, uma vontade que já passou. Isso tudo porque eu coloquei teu nome no google antes de dormir e achei um texto teu. Eu li. Ainda dá tempo?

sábado, 23 de julho de 2011

Eu vou te deletar, te excluir do meu orkut

Ela é dele, pelo menos daquela bolinha laranja que insiste e insiste e insiste, piscando o tempo todo no email dela. Ela é dele quase 24h por dia, ou 8h, que é amor só de horário comercial e dia útil, sem fim de semana. Ela é dele nos post dramáticos, naquelas músicas melancólicas que recomenda do youtube, nos seus nicks bregas que ele curte e nas rapidinhas de 140 caracteres, o amor dela virou coisa pouca de 140 caracteres. Ela é dele nos emails que ela repassa para as amigas, que acompanham todo aquele lenga-lenga, que se diz bate-papo e é lero-lero, e dão palpite com a resposta que deveria ser a mais sensata, mas que ela nunca dá. Ela é dele naquelas orgias verborrágicas de indiretas e entrelinhas, naquelas letras bestas que eles trocam só por trocar, pra manter aquele contato irreal, surreal,  virtual. Ela é dele mesmo ausente, mesmo ocupada, mesmo invisível, mesmo bloqueada. Ela é dele mesmo quando a conexão cai.

Era. Até que um dia ele mandou uma nota oficial por email. Estava em um relacionamento sério na vida real.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Acabou chorare no meio do mundo

(Ela riu, ele riu de volta, aí o céu abriu, a lua ficou mais cheia, o olho brilhou. De novo. Ela riu, ele fez que ia falar alguma coisa, mas não importava o que ele falasse, o céu já tinha aberto, a lua já estava no seu auge e o olho era só brilho. Ele então chegou bem pertinho dela, a respiração dos dois se falando entre eles, e era só silêncio fora e só barulho dentro, que nada precisou ser dito. Ela só riu, ele segurou no queixo, olhou profundamente dentro daqueles olhos pretos enormes e riu de volta, a boca já começando a abrir, uma boca que só fechou quando o dia acabou e a lua cheia deu lugar ao sol)

Eu nunca mais vou sentir isso, ela se questionou, nunca mais brilho fosforescente, lua imensa, coração disparado. Nunca mais primeiro beijo, primeiro frio na espinha, primeira troca de suor. Nunca mais aquele cansaço bom, aquela paz de espírito, nunca mais aquele pouco medo de tudo, da nenhuma preocupação que não fosse aquele momento, aquela primeira vez de quando duas almas pensam que se encontram de tal maneira que até o zombido da abelha faz sentido. Nunca mais aquela cosquinha, aquele risinho no canto da boca, nunca mais aquela espera infinita dos dois segundos que antecedem a primeira vez. Nunca mais, ela se repetiu e repetiu e repetiu, naqueles milésimos de segundos desde que ele olhou ansioso nos olhos dela e ela lembrou da primeira vez que ele riu de volta. Ele se impacientava, esperando aquela resposta, e então Maria?.

Ela riu, ele riu de volta, o céu abriu de novo, a lua ficou mais cheia, o olho brilhou: aceito.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Idem

Ele só queria paz. Aquele peso todo, de onde tinha vindo? Ela tinha virado aquela pessoa que chora gritando, sabe aquele choro soluçado? Era a última imagem que ele tinha dela. A leveza tinha virado grito histérico, pedido, lágrima. A leveza tinha virado humilhação. Até o sexo era choro: ela compensava a insegurança no sexo, que era agora só um ato doído pros dois. Ela só sabia chover, e ele queria sol. Me diz, o que eu fiz?, ela perguntava naquele temporal de lágrimas e ele não sabia o que dizer, eu só quero sol, como se explica isso? Não sabia dizer, então beijava-lhe a face, cada beijo um aceno de adeus. Só não sabia dizer porque queria ir. Ela esgotada de tanta lágrima, olhava no espelho ele, uma escova de cabelo na mão, e uma derrota tão evidente que doía mais. Eu tentei fazer você me amar. Tentei todos os dias, quase te forcei, quase te inundei com a minha presença, quase te sufoquei de tanto amor. Eu tentei te conduzir sempre, ela dizia, porque sabia até onde a gente poderia ir. Ele olhava, mas quem disse que era isso que eu queria?, eu tinha me apaixonado exatamente pelo oposto, pela calma, pela ausência, pela pouca pressa. Eu me apaixonei porque você me esquecia, porque me fazia rir e não chorar. Lembra quando a gente não chorava? Lembra de quando você chegava de madrugada feliz e só me beijava e nada mais tinha importância, nem aquele teu cheiro de homem no pescoço? Eu te amava por isso, porque era simples, porque a gente só queria saber de ser feliz e de dançar até esquecer o nome, porque a gente cantava de manhã quando acordava, porque as nossas mãos se encontravam inconscientemente dormindo. Agora você me abraça tanto que eu nem respiro e acordo sufocado. Eu te amei pelo oposto do que você é, Diba. Eu te amei, mas não te amo mais. Amava a outra, que é leve, que não chora gritando, que não me sufoca dormindo.

Ela morreu, ela chorou de novo, e foi no dia em que você chegou.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Maria

Diba, ele disse. Ela quis saber, por que Diba? Ele explicou e ela fingiu que entendeu, mas gostou mesmo sem entender. Era o novo nome dela, que agora era só dele. E ele só dela, o menino dela. Riu, ele percebeu, e as covinhas, são só minhas as covinhas também? Ela disse que sim, covinhas, sorrisos, cabelo caindo no olho, tatuagem na nuca, é tudo só seu, pode usar quanto quiser. Ele riu, aqueles olhos verdes fracos, e ela entendeu no olhar que pesava isso de ser só do outro. Sentiu de leve, bem de leve, o peso que não sentia há quanto tempo, dois, três, quatro anos? Ou mais. Riu, riso amarelo já, e repetiu, virei Diba. Virei dele, virei de alguém. Virei a pessoa que faz outra pessoa chorar, rir, acordar, dormir. Virei o motivo do grito quando a paixão vira raiva, virei o telefone desligado na cara, virei o gosto repetido de cigarro na boca, virei a lágrima no canto do olho, o sexo bêbado burocrático. Virei o tédio, a prisão, o ciúme idiota, e qual não é?, virei a dor de cabeça, o beijo na testa, o abraço triste de quando o calor não existe mais e vai se esfriando tudo. Virei a ressaca, a segunda-feira, a neosaldina. A cerveja quente, o resto do chope, é isso, eu sou o chope que fica no resto da taça, pensou, que a gente bebe só por obrigação.

Diba, ele disse, apaga a luz?
Não me chama assim, ela respondeu, que meu nome é Maria.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

dessa enorme euforia

Que merda esse coração disparado, essa angústia de não saber o que é isso que vem e te deixa assim eufórico, no meio do escritório, arrasada no meio do almoço, que te faz chorar na depilação e não é de dor, ou é. Que merda esse querer idiota, que te faz adolescente, que te deixa com ataque de pânico, sem respirar, quando ele resolve fazer perguntas idiotas que ele sabe a resposta e você sabe que ele sabe. Que merda essa desconcentração na hora errada, que te faz levar esporro do chefe, porque o trabalho tá atrasado, porque a vida tá toda atrasada, porque não era mais idade pra sentir essas coisas, que isso é coisa de criança que nunca amou e você já amou tanto que não deveria mais se sobressaltar. Que merda essa vontade que não passa nem depois de tudo dar errado, um desencaixe físico e emocional óbvio, uma falta do que saber fazer, uma falta do que saber dizer, que te faz falar coisas desconexas e sem sentido, frases que não existem, palavras pela metade. Que merda esse suor nesse frio de 10 graus, esse descompasso entre o inverno lá fora e o verão aqui dentro, entre a racionalidade que te manda ir embora e o coração que insiste num ficar desesperado, mesmo sem motivo algum.

Essa merda tem nome, me dizem, é paixão. E dura só seis meses.
Mentira, eu digo, que eu morro antes.

Todo dia ela faz tudo sempre igual

Todo dia ele olhava. Ela com o livro no mesmo café, tomando o mesmo espresso, esperando a mesma garçonete, que ela conhecia já de nome. O mesmo livro sempre, ele reparou na capa, não era um livro grosso, porque ela demorava tanto pra terminar? Todo dia ele esperava a hora do café, todo dia ele se aproximava, e todo dia desistia de perguntar seu nome, pra que nomes, pra que perguntas? Ele tentava mudar o caminho um dia que fosse, mas sabia que ela estaria lá e saber da presença dela sem a presença dele doía, como se ela fosse esbarrar com o amor da vida dela se ele não estivesse ali de plantão, como se estando ali ele pudesse atrasar o destino, brincar com o acaso, impedir o tal esbarrão inevitável com o príncipe encantado dela, que, claro não era ele. Por isso ele continuava indo todos os dias àquele mesmo café, onde ela tomava o mesmo espresso, esperava a mesma garçonete, que ela (e agora ele) conhecia já de nome. Esperava ela ler sempre o mesmo livro, fino, mas o mesmo, e desistia de perguntar o nome dela. Ela nunca olhava pros lados, no máximo procurava alguma coisa no celular, respondia uma mensagem ou um email, e voltava praquele livro fino e infinito que não acabava nunca. Ele dava alguns passos, imaginava uma abordagem qualquer, casual de preferência, algo que a fizesse rir e perceber a presença dele, ali, todos os dias, no mesmo café que ela. Mas voltava, desistia, achava perda de tempo, todos os dias uma desculpa qualquer, ela não vai se interessar, quem sabe não é tão solitária quanto parece ser, quem sabe é casada, tem filhos, cachorros e um casa grande, com um monte de amigos. Quem sabe ela não precisa dele tanto assim quanto ele pensava, quem sabe ela seja muito mais segura do que parece por trás daqueles óculos e daquele livro fino, infinito.

Um dia, o livro chegou ao fim. Ele viu uma lágrima. Achou que era o pior momento de falar o que tanto tinha planejado falar. E foi embora. E ela nunca mais voltou ao café onde tomava o mesmo espresso todos os dias, esperando a mesma garçonete todos os dias, que ela conhecia já de nome.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Resposta

Se amor, morrem os dois. Abraçados.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Catarse

Comecei a ler um livro que me lembrou de você, daquela sua mania chata de não ler autores novos, porque não tinha lido tudo de Tolstói ou Dostoiévski. Aí me lembrei daquele livro que você mandou trazer de não sei onde, com a dedicatória que achei outro dia e me fez chorar, embora fosse feliz e falasse de uma coisa que acho que não acredito mais, de fins e recomeços e da roleta russa que é voltar a acreditar no amor. Desculpa roubar essa sua frase, mas é que eu acho lindo e prolixo tudo que você escreve, até nas informalidades você é formal, apesar de todo aquele teu fogo apaixonante, de toda a tua pressa, sempre tem um "por favor" antes de se dirigir a alguém, mesmo que seja o frentista do posto de gasolina; por favor, obrigado e desculpas, você nunca teve medo de pedir desculpas, nem quando achava que estava certo, e quase sempre você achava, mas sempre se desculpava talvez por educação ou pra alcalmar a minha insegurança. A verdade é que eu só não te desculpei daquela vez, eu juro mesmo que eu tentei, mas eu sabia que nunca mais poderia te amar do jeito que eu sonhava, daquele jeito idealizado de melhor amigo, daquele jeito cúmplice de se olhar e se achar no outro. Depois daquela vez eu não podia mais te amar assim, então não havia o que desculpar, porque o você que eu queria tinha morrido de vez, só sobrou aquele amor que está aí até hoje, que se manifesta nas pessoas que eu amo pra reencontrar você, aquele amor que me arranca lágrimas no meio do almoço, lendo um livro que não é de Dostoiévski, mas que me faz lembrar de você.

Morreu, o nosso amor morreu

Enquanto todo mundo chamava ele de covarde, ela defendia: é a vida, depois passa, ele está mesmo numa fase esquisita. Ela olhava pra dentro e sabia que se enganava, mas insistia na ladainha de que tudo ia passar, que ele voltaria atrás, que ele se daria conta da mulher maravilhosa que iria perder, que tudo seria resolvido logo logo. Ele olhava cada vez menos pra ela, mesmo quando olhava, só sabia fazer aquela cara de não te amo mais que ela tanto odiava, aquele pedido de desculpas estampado na testa, eu desisto, eu desisto, não quero mais a gente. Ela olhava pra fora e era tudo muito claro, sabia que em algum momento ele deixaria de ser tão pouco homem, que um dia ele assumiria tudo, que não queria mais assumir nada, que se assustava com tantas coisas em comum, que se pelava de medo daquela certeza dela, que não sabia nada de futuro, nem de certezas, que era mesmo hora de ir. Ela sabia de tudo e esperava que estivesse errada, mesmo sabendo que nunca errava nessas horas, que mulher nenhuma erra nessas horas, o que a maioria faz é fingir que nem ela fingia, fingir que era compreensiva, fingir-se bem resolvida, indiferente até. Mas ele, ah, ele não fingia, quase esfregava a outra ou outras na cara dela, e era cada vez mais óbvio aquela escolha covarde, sim, covarde, de querer sempre a pessoa errada, com medo da felicidade óbvia. E um dia ela soube que era tarde, que ele era mesmo covarde demais, todo homem tem alguma coisa de covarde demais, e que seria ela mais uma vez quem teria que decidir pelos dois, ela que teria que pedir a morte deles, quase um suicídio, porque ele não teria a coragem necessária para apertar o gatilho.

E foi lá e matou. Ficou um restinho de sangue, mas ela saberia como limpar, novamente.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Carpe Diem

"Não importa que sejam dez segundos
Indifere que durem só dois dias
Tanto faz se foi por uma semana
Que não seja, que não continue
Que seja eterno enquanto for"

(2008)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Não tenho nada pra dizer

Começou e apagou aquelas linhas tantas vezes que parecia até que não sabia o que dizer. Logo ela que inventava tantos diálogos, que escrevia tantas linhas, sérias ou de conversa fiada, logo ela que adorava a dissertação, a confrontação, a discussão. Logo ela que tinha tanto a dizer, não sabia o que dizer. Na verdade não é que não soubesse, ela sabia exatamente o que dizer a ele. E sabia exatamente o que ele deveria dizer a ela.

Mas, e se ele não dissesse? E se todas aquelas linhas não-ditas fossem mesmo não-ditas, se todas aquelas entrelinhas nunca tivessem passado de apenas isso, de entrelinhas, e se tudo não passasse de um devaneio, inventado, criado, repetido e repetido e repetido, até se tornar uma verdade mentirosa?

Ela não queria, ou não aguentaria, ou não suportaria saber a resposta errada. E preferia fingir que não tinha nada a dizer. E escrevia e apagava as linhas, e inventava tantos diálogos, tantas palavras, dissertava e confrontava e discutia. Postergando uma resposta que não saberia mais esperar, mas que continuava intocada. Adiando um não.

sábado, 7 de maio de 2011

É que eu preciso dizer que eu te amo

Porque eu sei que você nunca vai ler, posso escrever que ainda te amo escondido e sem você saber e que fantasiei tantas vezes que você também me ama escondido e sem eu saber. Que cada vez que o telefone toca eu penso que podia, pelo menos podia, ser você. Ou porque eu sei que você nunca vai ler, eu escrevo sobre o dia que eu te esperei ingenuamente, aquele dia que você desmarcou em cima da hora por causa de outra, pelas tantas vezes que você preferiu insistir que ela era mais interessante que eu. Posso escrever até que eu torço secretamente pra que ela te esqueça, pra que as outras todas te esqueçam, e que assim, quem sabe, você perceba que eu te amo escondida e sem você saber. Porque eu sei que você nunca vai ler, posso ser cruel e querer que nenhuma delas te responda nunca mais nenhuma mensagem, que todas elas percebam seu medo gigantesco de se comprometer, que todas descubram que você é um canalha perdido, do seu medo do mundo de gente grande e da sua falta de ambição. Que você não sabe dizer eu te amo, que você detesta aliança e que tem pavor de casamento e qualquer palavra que remeta a ele. Porque eu sei que você nunca vai ler, posso então contar que eu não aguento mais ouvir todas as suas histórias malsucedidas, nem lamentar todas as suas frustrações, nem satisfazer todas os seus egos e machismos, nem fingir que acho graça de todos os seus deboches. Só porque eu sei que você nunca vai ler, posso escrever que duvido que alguém te queira tanto apesar dos seus defeitos, que tenho certeza que nenhuma delas suportaria, até de bom grado, todos seus erros. Porque eu sei que você nunca vai ler, eu escrevo como se você fosse ler, disfarçando e aumentando cada linha pra você não entender que, na verdade, você é você, me escondendo até dentro de uma declaração pública, me enganando até dentro do meu próprio verso.

Porque, no fundo, eu sei que você vai ler.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Chorava todo mundo, mas agora ninguém chora mais

Com o primeiro aprendeu a chorar escondida no banheiro; com o segundo, que chorar até virar água pode emagrecer. Com o terceiro, aprendeu que dói mesmo quando a lágrima seca; com o quarto conheceu o choro da culpa de não amar tanto quanto podia. Com o quinto, soube o que era o choro covarde. Com o sexto, aprendeu a engolir lágrima em seco. Com o último, chorou temporal, e aprendeu a não chorar nunca mais.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Não sabendo que era impossível

Eu podia ter falado eu te amo antes dele ir. Podia ter pedido pra ele ficar. Podia ter dito que queria mais do que ele me dava. Podia ter ligado de volta quando vi a ligação perdida. Podia ter convidado ele pra subir e tomar uma cerveja. Podia ter deixado ele me levar em casa de manhã. Podia ter ido conhecer a casa dele. Podia ter falado a verdade quando ele me perguntou. Podia ter sido mais direta naquele dia na festa. Podia ter pedido pra ele não atender o telefone. Podia ter dançado só mais aquela música. Podia ter ficado pra dormir. Podia ter contado que sentia saudade. Podia ter comprado aquele vôo em cima da hora. Podia ter atendido a ligação no dia seguinte. Podia ter escutado mais uma vez a nossa música. Podia ter perdoado aquela vez. Podia ter ficado até a festa acabar. Podia ter chorado em vez de ter esquecido.

E isso tudo me passou pela cabeça vendo uma cena de 5 segundos de um filme. Mas ela foi lá e fez.

terça-feira, 15 de março de 2011

Eu fui às touradas em Madri

Ela nunca acreditou em inferno astral, quarta-feira de cinzas, essas coisas inventadas pra justificar mau humor até que viveu uma quarta-feira de cinzas de dois meses. Justo. O ano longe tinha sido um carnaval de 365 dias. E ela sabia que outro daqueles seria difícil de acontecer. Quando chegou, na neve e no frio, ela não imaginava o que lhe esperava. Não teve tempo de sentir medo. Em outra língua dá pra sentir medo? Ela nunca chegou a descobrir. Sabendo que sua folia tinha prazo de validade e que sua máscara de colombina não seria tirada pelo menos pelos próximos 12 meses, ela aproveitou cada segundo, cada dança, cada pierrô, cada gole. Que não a levassem a mal, por favor. Era carnaval.

E assim foi até a última noite, quando Madri se esquentou depois da chuva pra lhe dizer adeus. E ela não se deu conta que além da casa, dos amigos, dos amores, deixava ali ela mesma. Uma foliona corajosa que se pintou sem medo (em outra língua dá pra sentir medo?), se fantasiou do que queria ser e se perdeu na sua própria fantasia. Que não cansou de brincar carnaval por 365 dias. Mas não esperava a ressaca da quarta-feira interminável.

De vez em quando ela tenta encontrar a fantasia perdida no armário e se veste de espanhola, mas é tudo da boca pra fora. Ela foi às touradas em Madri e não voltou mais aqui.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

É como se o amor doesse em paz

Quando chegou, no inverno e na neve, ela só sentia saudade. Da praia, da samba, do suor, do flanelinha, do camelô, do trocador. Sentia saudade do pior, também. Mas sentia, acima de tudo, saudade da gente. Até que conheceu nova gente, que aos poucos, ou 'poco a poco', foi tratando de amenizar a dor. E aí ficou mesmo só a saudade. Mas "sem dor?", perguntavam. Ela explicava que não era nada disso que eles conheciam. Era uma coisa nossa, que mais ninguém sabia sentir. "Era como se o amor doesse em paz", se apoderou das palavras do poeta pra tentar explicar. "E pode o amor doer em paz?", questionaram outra vez. Ela não sabia responder.

E depois, quando voltou, também no inverno, foi tanta chuva que virou água de dentro pra fora, e ela sentiu outra vez aquela coisa doída. Saudade do parque, do rock, do ventinho frio, do chinês, da fila da boate de madrugada. Sentia saudade do pior, também. Mas, acima de tudo, sentia saudade da nova gente. E perguntaram, do outro lado do oceano, "saudade, mas já?". Parece que a gente nasceu pra sentir saudade. Pode ser que a exclusividade da palavra tenha mesmo um motivo.