terça-feira, 16 de novembro de 2010

Meu primeiro amor

Ela só tinha 17 anos e não tinha ideia do que fazer da vida. Nem do quanto era capaz de se apaixonar. Se conheceram num dia de namorados. Ela tinha acabado de perder o primeiro. Alguns dias depois soube que não havia como voltar atrás.

Ele seria o primeiro em quase tudo. Primeiro que a fez mentir pros pais. Primeiro que a fez matar aula. Primeiro que a fez chorar no meio da rua. Primeiro que a traiu. Primeiro de todas as loucuras adolescentes que se vê nos filmes. Foi o primeiro homem que ela teve. Não o primeiro na verdade, mas o primeiro pra ela - o que na verdade ele nunca suportou. Também tinha 18 anos e também não tinha ideia do que fazer na vida. Também não sabia o quanto era capaz de se apaixonar.

Mas acabou que ela também foi a primeira em quase tudo. A primeira que ele levou pra casa dos sonhos, a primeira que ele quis passar o reveillon. A primeira que o fez dizer eu te amo. A primeira que ele se arrependeu de ter traído. E como eram jovens, imaturos e apaixonados, não deu certo. Um dia ele viajou sem ela saber. Ela entendeu que depois de tantos fins, tantos choros, tantos risos e tantas loucuras, era hora de ir. Foi a primeira vez que ela foi recional no amor. E desde então nunca mais deixou de ser.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eu me recuso, faço hora, vou na valsa

Sentada no banco do metrô, ela esperava o próximo trem e não entendia o que sentia. Podia ser que a saudade tivesse lhe dado uma trégua de algumas horas. A verdade é que ela se sentia tão em paz sentada naquele banco de concreto daquela estação de metrô que não se importou quando viu no mostrador que ainda demorariam dez minutos para o próximo trem. Não lhe importava esperar porque ela não tinha pressa. Ela que sempre havia tido pressa, entendeu que pela primeira vez o tempo lhe dava tempo. Espaço aos minutos, às horas, aos dias e aos meses que ainda lhe faltavam para decidir. Ela esperaria o momento certo e aí saberia o que deveria saber. Enquanto isso, aproveitaria tudo o que o tempo ainda podia lhe oferecer. Pelo menos até a chegada do próximo trem.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Se eu não tenho o meu amor, eu tenho a minha dor

Estou pensando em você não porque ainda te ame ou porque tenha te amado mais que aos outros, mas porque você foi o último homem que amei. E talvez por isso, ou pela ausência de qualquer pessoa que me ame num raio de milhares de quilômetros, eu tenha pensado em você. E chorado. Não pela saudade do que vivemos, mas por uma saudade maior de tudo que já vivi com todos os outros, e por esses pequenos momentos de intimidade únicos daqueles que se amam, por essa felicidade partilhada. Que não partilhei só com você, mas que me permiti partilhar pela última vez contigo. Estou pensando em você, porque me dói a dificuldade adquirida de não pensar em mais ninguém. Não pense que é uma carta endereçada a você unicamente, e nem se desespere por isso. É sim uma carta de amor, pra mim mesma, para e de alguém que não soube amar a mais ninguém, mas que ainda tem, apesar de toda racionalidade acumulada no peito, uma enorme vontade de amar outra vez.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo

Eu tenho vontade de escrever. De como queria conhecer o mundo fazendo o que me desse na telha, sem rumo, sem dinheiro, sem destino, sem futuro. De como queria morar na Argentina, ou no Chile, ou no México. Eu tenho vontade de escrever um livro que comecei no primeiro ano da faculdade, terminar a história da menina poeta que foi pra Espanha e se apaixonou. Eu tenho vontade de escrever que o sol me faz cosquinha na cara, que me faz sorrir mais, que me dá vontade de dançar. Eu tenho vontade de escrever sobre a chuva, sobre a primavera, sobre o outono, sobre a neve. Eu tenho vontade de escrever sobre a paixão, sobre como me apaixono por me apaixonar, como crio amores perfeitos que duram uma semana, de como faço planos e desfaço. Eu tenho vontade de escrever sobre meu primeiro amor, sobre meu último, sobre o próximo, sobre o seguinte. Eu tenho vontade de escrever sobre os sorrisos, sobre os olhares, sobre as frases que eu só imagino, sobre os diálogos que invento, sobre os sonhos que eu traduzo. Eu tenho vontade de escrever sobre o dia que eu descobri que o pra sempre tem prazo de validade. Eu tenho vontade de escrever frases aleatórias, versos sem rima, peças e roteiros. Eu tenho vontade de escrever sobre qualquer coisa que se mova, sobre qualquer brisa, sobre qualquer árvore, sobre qualquer pôr do sol. Eu tenho vontade de escrever em várias línguas, para várias pessoas que já se foram, pra minha mãe, pros meus avós. Eu tenho vontade de escrever uma carta de mil palavras para minhas amigas de infância, contando de como minha vida mudou desde que a gente deixou de se corresponder. Eu tenho vontade de escrever sobre minhas férias em Porto Seguro em 1990, sobre o dia que pela primeira vez eu vi o Brasil ganhar a Copa, sobre a primeira vez que chorei por um homem. Eu tenho vontade de escrever sobre o dia que eu passei no vestibular e sobre o dia que eu não passei. Eu tenho vontade de escrever matérias, entrevistas, notícias, poemas. Eu tenho vontade de escrever até o dedo cansar, linhas e linhas que não dizem nada pra ninguém. Eu tenho vontade de escrever pra desabafar, para tentar me descobrir nas letras, para tentar me perder nelas. Eu tenho vontade de escrever sobre todos os homens que eu amei e sobre todas as mulheres que eu fui.

Eu tenho vontade de escrever e é por isso que eu sigo.

domingo, 25 de abril de 2010

Dei um aperto de saudade no meu tamborim

Ela olhava o nascer do sol sobre Barcelona, e, ao som de Teresa Cristina, só pensava nos sambas da vida, de preferência nos que tinha caldinho de feijão. Lembrou das amigas, todas também com a vida totalmente transformada, e chorou de saudade de um tempo bom demais pra ter acabado tão depressa. Ou que, por isso mesmo, não poderia ter durado mais. Sentiu uma saudade boa e triste, das raras. E esqueceu Barceloneta, Sagrada Família, Raval, Ramblas. Naquele minuto ela queria estar de frente para a Baía de Guanabara, no restaurante de domingo pós ressaca, com camarão e a melhor vista do planeta.

Cada música lembrava uma pessoa querida, e ela deixou as lágrimas caírem, uma pra cada música, uma pra cada saudade. Não que a saudade doa, ela tentou explicar. Era como um amor que dói em paz, como já cantava Vinícius. Saudade eles não entendiam, e nunca iam entender, ela pensou. Era uma vontade de viver o que já se tinha vivido, era uma vontade de voltar no tempo e passar aquela noite de novo. Mas depois voltar.

Ela tinha saudade, às vezes de uma maneira forte até demais, mas tinha vontade de estar ali. Era uma lembrança boa, não tinha nada de triste. Ela voltou a ouvir Teresa Cristina, voltou a pensar no samba com feijoada. E agradeceu a Deus pelas oportunidades de viver de forma tão intensa coisas tão felizes. Não, eles não entenderiam.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Quando o inverno chegar

Ela lia Saramago e não podia passar incólume. Em português, ou espanhol, que seja (que heresia, diriam alguns), Saramago é solidão, tristeza, melancolia, genialidade. O que fazia ela pensar na genialidade de ser triste, na beleza do fado. E ela que nunca havia pensado na sua própria tristeza descobriu o óbvio, do lado de cá do oceano, o português era uma língua triste.

A saudade não é triste, ela tentou explicar, mas poucos, e só os galegos, entenderam. Mas ela sabia que a ausência sim, essa era triste de verdade. Assim como o frio, a ausência do calor, deixa tudo meio branco, a lágrima branca (como diria o mestre) resolveu aparecer com a neve. Mas ela não se permitia, como nunca se permitiu, até o momento inevitável. Dessa vez não seria um temporal, porque não haveria sol arrebatador pra secar as calçadas. Dessa vez ela teria que aprender a lidar com a neve, com o inverno que não acabava.

Deve ser verdade, pensou ela, que o sol faz as pessoas mais felizes - ou alegres, que é a felicidade momentânea  ou imposta. Deve ser por isso, ela voltou a pensar, que a tristeza combinava tanto com dias nublados. E então ela descobriu porque por aquelas bandas o português tinha um quê de fado. E não de samba.