quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Temporal

O dia claro escondia o temporal que vinha por aí. Céu sem nuvens, andar cansado da caminhada no sol. E eis que a nuvem chega de repente, se apodera do mar, do céu, do corpo, e, sem muito avisar, trovoada no peito. Ela se confundia sem saber se água vinha de fora ou de dentro. O barulho, apressado, era do trovão, ou do estômago? Ele olhava sem sentir a mesma dor, mas compartilhando da água da chuva. E a tempestade veio tão forte que inundou tudo, parede, teto, calçada, olho, boca.

E desde então foi só chuva, e ela que nunca gostou do gosto da lágrima teve que se acostumar a ela, a falsos sorrisos, a desconversas, rodeios. Ela que sempre gostou dos pingos nos is, ficou sem saber onde é mesmo que estava a maldita vogal, onde estava o guarda chuva, onde estava o manual, e onde é que estava a escova de cabelo então? Difícil demais pensar em penteados quando tudo está uma bagunça. Ele, solidário, penteia-lhe os cabelos, e beija cada parte da face, cada beijo um pedido de desculpas, cada olhar uma súplica, me ajuda, não sei onde estou. E pela primeira vez ela também não sabia, se chorava ou se ria, se ficava ou se ia, se calava. E calou.

As perguntas, sempre tão presentes, ficaram guardadas no armário. Sem palavras, sem respostas, sem sotaques. E o que parecia ser tão simples se tornou tão complicado, a equação tão fácil virou teorema insolúvel. Se não era nada daquilo, ela pedia, me ensina a voltar, me ensina o que fazer então, para onde eu levo meu carro se nem sei o caminho de casa mais? Ele olhava, e também não sabia caminho nenhum, nunca soube, ela sempre que levou. E finalmente ele foi, sem saber para onde, e ela ficou, sem saber para quê.

"Espero que depois do temporal o sol seja forte o bastante para secar as poças da calçada".