quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Todo amor que houver nessa vida

Sentou, pensou em lágrimas, engoliu em seco. Ela preferia aguar o bom do amor. Tinha alguém que estivesse sempre com ela, na chuva, na rua, na fazenda? Não tinha. Queria? Não sabia. Ela pensou em lágrimas de novo e de novo engoliu em seco. A outra queria a sorte do amor tranqüilo; ela tinha tido e havia cansado dele. O sabor da fruta mordida tinha sido há muito tempo, e deste ela também havia cansado. Depois de tantos verões passados, e outros que ainda passarão, quem passava era ela.

No caminho de casa, uma boa lembrança e ela pensou em ligar. E no segundo seguinte uma lembrança triste a fez mudar de idéia. Ela vivia a dúvida em si mesma, a dúvida que lhe assustava e que ao mesmo tempo lhe impulsionava. Mas ela sabia que nunca havia se dado bem com certezas. Ela precisava do medo. O frio na barriga da montanha russa, a dor na espinha do colégio novo, a sensação de ter sempre algo surpreendente pela frente. Ela era assim desde pequena, embora em alguns momentos tenha dito, pros outros, que não. Mas ela, só ela, sabia que sim.

Acendeu um cigarro, pegou o telefone, ligou para uma amiga. Falou amenidades, pensou no dia seguinte, esqueceu por instantes. Já na esquina da rua, a lágrima de novo tentou escapar. Ela resignada, deixou, mas a lágrima havia desistido por si só. Ela então lembrou do dia anterior, e a lágrima que não veio antes quase se transformou em um sorriso tímido de canto de boca. Ela tinha a sorte do amor tranqüilo e o sabor da fruta mordida. Ela tinha escolhido assim. E teria que aprender a lidar com isso. O acaso, pelo menos, já estava ao seu lado.

domingo, 6 de julho de 2008

Lá vem o sol

Ela não entendeu quando viu a foto no chão, nem quando a tal caneca caiu e quebrou, sem motivo algum. Quando procurou o e-mail na caixa de entrada, percebeu que todos os rastros tinham sido apagados. Ele não fazia mais parte de nada. Ela riu. Nem tinha percebido a ausência. Nem tinha sentido falta da lembrança. Nem saudade. Saudade do que não havia sido, convenhamos, não é pra se sentir mesmo. Ela então pensou como o mundo era estranho, lindamente estranho e surpreendente. Pensou em como tinha chorado, em como tinha doído. E ela riu de novo. Nem tinha percebido quando a dor parou de doer.

Ela tentou se lembrar quando ele se foi, não o dia da chuva, mas quando ele se foi de verdade. E ela não lembrava. Não lembrava de quanto tempo fazia, não nos dias contados, porque esses a gente marca na agenda e controla. Mas na euforia dos últimos meses, o temporal parecia ter sido há anos. Ela riu de novo das voltas que a vida dá. E se lembrou dele com carinho, como uma coisa que passou, sem muito marcar, sem ser muito bom ou muito ruim. Ele talvez nem tenha percebido que ela tinha ido. Mas ela sabia que tinha ido de vez.

E foi aí que ela entendeu. Lembrou que a chuva tinha sido forte, mas que era chuva de verão. Daquelas que vêm e vão, que alagam tudo, fazem poças, molham por dentro e por fora. Mas da mesma forma que fazem estragos, passam de uma vez. E ela entendeu que foi-se tudo com a chuva, dor, incertezas, inseguranças, sonhos frustrados. E nesse momento, como num estalo, ela lembrou que tinha tido outra chuva, daquelas boas, que fazem a gente ficar mais na cama, ouvindo os pingos caírem, sem querer sair do cobertor. E daquela chuva ela não teve medo. Esperou passar, se aqueceu, saiu do novo abrigo e comprou um guarda-chuva. E ele ainda está lá. Com ele à tiracolo, ela sabe, temporal nenhum vai assustar mais.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Paula

Ela nunca gostou muito de mãos muito coladas, sempre foi aquela que deixava a mão frouxa no dar-as-mãos. Tampouco era das que dormia de conchinha. Não era confortável, não fazia questão. Sempre gostou da cama toda só pra ela, egoísta que era. Não era de carinhos, mas era de palavras e brigava e amava com palavras todo o tempo. Não gostava de sinais, preferia ouvir do que gestos.

Mas ele nunca foi de palavras, só de olhares, dizeres sem serem ditos. Não se revelava pela boca. E, provavelmente por isso, foi no toque que eles se entenderam. O dormir junto fez sentido desde o primeiro dia, e foi tão óbvio, tão complementar, que ela não queria mais cama vazia. O corpo de um terminava no do outro, a respiração dos dois se confundia à noite. Sem um invandir o espaço do outro. As mãos se procuravam mesmo longe.

"Uma profunda intimidade estabelecida desde o começo, como se durante nossa vida inteira nos tivéssemos preparado para esse encontro, e da facilidade, calma e confiança com que nos amamos, como um casal que compartilhou mil e uma noites". Mas mesmo as mil e uma noites acabam. E um dia a cama vazia passou a ser grande demais.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Temporal

O dia claro escondia o temporal que vinha por aí. Céu sem nuvens, andar cansado da caminhada no sol. E eis que a nuvem chega de repente, se apodera do mar, do céu, do corpo, e, sem muito avisar, trovoada no peito. Ela se confundia sem saber se água vinha de fora ou de dentro. O barulho, apressado, era do trovão, ou do estômago? Ele olhava sem sentir a mesma dor, mas compartilhando da água da chuva. E a tempestade veio tão forte que inundou tudo, parede, teto, calçada, olho, boca.

E desde então foi só chuva, e ela que nunca gostou do gosto da lágrima teve que se acostumar a ela, a falsos sorrisos, a desconversas, rodeios. Ela que sempre gostou dos pingos nos is, ficou sem saber onde é mesmo que estava a maldita vogal, onde estava o guarda chuva, onde estava o manual, e onde é que estava a escova de cabelo então? Difícil demais pensar em penteados quando tudo está uma bagunça. Ele, solidário, penteia-lhe os cabelos, e beija cada parte da face, cada beijo um pedido de desculpas, cada olhar uma súplica, me ajuda, não sei onde estou. E pela primeira vez ela também não sabia, se chorava ou se ria, se ficava ou se ia, se calava. E calou.

As perguntas, sempre tão presentes, ficaram guardadas no armário. Sem palavras, sem respostas, sem sotaques. E o que parecia ser tão simples se tornou tão complicado, a equação tão fácil virou teorema insolúvel. Se não era nada daquilo, ela pedia, me ensina a voltar, me ensina o que fazer então, para onde eu levo meu carro se nem sei o caminho de casa mais? Ele olhava, e também não sabia caminho nenhum, nunca soube, ela sempre que levou. E finalmente ele foi, sem saber para onde, e ela ficou, sem saber para quê.

"Espero que depois do temporal o sol seja forte o bastante para secar as poças da calçada".